terça-feira, 19 de julho de 2011

Recomendações para estudantes aprendendo a fazer demonstrações matemáticas



Este artigo é uma tradução autorizada de "ADVICE FOR STUDENTS FOR LEARNING PROOFS" do professor e autor Joseph A. Gallian da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Gallian é autor de (*) "Contemporary Abstract Algebra" e mantém um site com recursos sobre o assunto em http://www.d.umn.edu/~jgallian/  onde você poderá encontrar o original deste artigo.


INTRODUÇÃO


Você deveria, periodicamente, reler este artigo à medida que o seu aprendizado avança, uma vez que muitos dos comentários se referem a situações que irão surgir ao longo do tempo. Também deveria mantê-lo à mão quando estiver exercitando em casa.

As demonstrações matemáticas, ou provas, são construídas utilizando-se as definições, teoremas e fatos. Assim, para ser capaz de fazer demonstrações você deve ter as definições pertinentes, teoremas e fatos memorizados. Quando um novo tópico é introduzido pela primeira vez as demonstrações, normalmente, usam apenas definições e idéias matemáticas básicas, tais como as propriedades dos números. Depois de ter aprendido alguns teoremas sobre um assunto você pode usá-los para provar outros teoremas.
Para aprender a fazer demonstrações escolha várias declarações com provas fáceis que são dadas no livro texto (NT: refere-se ao livro (*) citado no início deste artigo). Copie as declarações, mas não as provas. Então veja se você pode prová-las. Os alunos muitas vezes tentam provar uma declaração sem usar a hipótese por inteiro. Tenha em mente que você deve usar a hipótese. Se você não pode provar a afirmação dada, olhe para a primeira linha da prova no texto. Isto pode ser o suficiente. Se não for, então olhe a linha seguinte e assim por diante. Pratique provando as declarações que você selecionou até que você possa fazer as provas sem olhar para o texto. Uma vez que você tenha dominado esta lista inicial, escolha mais algumas proposições e pratique com elas. Existe uma relação direta entre o seu entendimento do assunto e capacidade para fazer as demonstrações. Demonstrações testam a sua compreensão. Elas também testam a sua criatividade.


COMO COMEÇAR

Comece uma prova, reescrevendo, 
 de uma forma mais conveniente, o que lhe é dado pelo enunciado e o que está sendo pedido para você provar. Muitas vezes isso envolve a conversão de texto para símbolos matemáticos e utilizar as definições dos termos usados ​​nas declarações. Um exemplo é:
        "Prove que o produto de dois números reais não nulos é diferente de zero."  
Este enunciado se converte para:
       "Se a e b são números reais não nulos, prove que ab ≠ 0." 
Comece a prova com:  "Suponha que a ≠ 0 e b ≠ 0. Prove que ab ≠ 0." 
(Nós provaremos esta afirmação na seção de provas por contradição.) É importante começar reescrevendo ambos os pressupostos e a conclusão uma vez que isto enfatiza que os pressupostos são o que você tem para trabalhar e a conclusão é o seu objetivo.

Exemplos de conversão de palavras para símbolos são:

n é um inteiro par que convertemos para  n = 2t,  para algum t.
n é um inteiro ímpar que convertemos para n = 2t + 1, para algum t.
n é um número racional que convertemos para n = a/b, onde a e b são inteiros, b ≠ 0.
n é um divisor de m que convertemos em m = nt, para algum t inteiro.
n é um quadrado que convertemos para n = t2, para algum t inteiro.


PROVA DIRETA

Em uma prova direta lhe é dado uma ou mais condições e pede-se para provar alguma conclusão. Para demonstrações em álgebra abstrata você pode usar tanto as condições dadas, bem como axiomas, definições e fatos padrões sobre números reais, números complexos, álgebra do ensino médio, e álgebra linear, sem elaboração. 
Em uma prova direta de uma declaração na forma A implica B, você começa a sua prova assumindo que A é verdadeiro e passa por uma série de etapas que levam à conclusão que B é válido.
Como exemplo, considere a afirmação: 
"A soma de dois números racionais é racional."   
Para prová-la, usamos a definição de número racional e convertemos a afirmação para:
"Se a,b,c e d são inteiros, b≠0 e d≠0, então a/b + c/d é da forma m/n, com m e n inteiros, n ≠ 0. " 
Para provar esta afirmação, observamos que 
       a/b + c/d = (ad + bc)/bd
e que, de acordo com a hipótese dada, ad + bc é um inteiro (chamemos de m) e bd ≠ 0 (chamemos de n), isto é:
       a/b + c/d = m/n
Assim a prova está completa. 


PROVA POR CONTRADIÇÃO

Prova ou demonstração por contradição é uma forma natural de se proceder quando negando a conclusão obtemos algo concreto para manipular. Para provar a afirmação "A implica B" por contradição, começamos por afirmar que A é verdadeira e B não é e acabamos por chegar a alguma contradição (possivelmente contradizendo a afirmação A). Por exemplo, uma declaração como 
"Prove que log23 é irracional". Para provar a declaração  usamos prova por contradição, da seguinte forma:
Assumimos que  log23   é racional.
Assim escrevemos  log23 = m/n  onde m e n são inteiros, n ≠ 0
Aplicamos a definição de logaritmo e temos: 3 = 2m/n,
Elevando ambos os membros a n, vem:  3n = 2m.
Agora observando essa última igualdade temos, no lado esquerdo um número ímpar e no lado direito um número par o que contradiz um fato básico conhecido sobre os números e, portanto, log23   não é racional. Se você argumentar por contradição, não termine dizendo "uma contradição". Você deve indicar o que você está contradizendo (geralmente a hipótese ou um fato conhecido).

Aqui está um exemplo onde se contradiz a suposição original. Para provar a afirmação  
"A soma de um número racional com um número irracional é irracional" por contradição, fazemos da seguinte forma:
Seja a um número racional e b um número irracional.
Assumimos que a + b é racional. 
Mas, então (a + b) + (-a) = b é racional. 
Esta é uma contradição com o pressuposto de que b é irracional.

Há mais de 2000 anos atrás, Euclides provou que existem
 infinitos números primos assumindo que há somente um número finito deles. Ao fazer isso, tomando seus produtos, ele foi capaz de chegar a uma contradição.

PROVANDO UMA SENTENÇA "OU"

Quando lhe é pedido para provar uma sentença "OU" tal como provar   "
afirmação A ou  afirmação B" comece por assumir que uma das duas afirmações, A ou B, é falsa e use isto para provar que a outra afirmação é verdadeira. Não importa qual das afirmações A ou B você supõe ser falsa. Se você assumir que A é falsa e não for capaz de provar que B é verdadeira, então assuma que B é falsa e tente provar que A é verdadeira. Provando uma dessas duas possibilidades é uma prova completa. Não há necessidade de fazer as duas coisas.

Outra maneira de provar uma sentença "A ou B" é assumir que ambas as declarações A e B são falsas e obter uma contradição. A afirmação "Se a e b são números reais não nulos, prove que ab é diferente de zero" é um candidato perfeito para provar por contradição, pois a suposição de que ab = 0 permite-lhe tirar partido de uma propriedade especial do número 0. 
Para provar ab ≠ 0 assumimos que a ≠ 0, b ≠ 0 e ab = 0
Uma vez que b ≠ 0, sabemos que b-1 existe.
Então a = a(bb-1) = (ab)b-1 = 0, o que contradiz a suposição de que a ≠ 0 .

Aqui está outro exemplo. "Se m e n são inteiros e mn é par, prove que m ou n é par." Para provar isso, assumimos que mn é par e m e n são ímpares. 
Então podemos escrever m = 2s + 1 e n = 2t + 1 para s e t inteiros. 
Então mn = (2s + 1)(2t + 1)= 4st + 2s + 2t + 1 = 2(2st + s + t) + 1, o que é estranho. Uma vez que isto contradiz a suposição de que mn é par, assim a prova está completa.


PROVA POR ANÁLISE DE CASOS

Uma maneira comum de construir uma prova direta é examinar todos os casos possíveis. Considere a afirmação: "Se o produto de dois números inteiros é ímpar, então ambos os números são ímpares." Começamos convertendo as palavras da expressão para símbolos, isto é, denotamos dois inteiros por m e n

e consideramos os quatro casos possíveis:


CASO 1. m e n são pares. Neste caso podemos escrever m = 2s e n = 2t  para s e t inteiros. Então mn = 2s2t = 2 (2st) e portando mn é par.


CASO 2. m e n são ímpares. Neste caso podemos escrever m = 2s + 1 e n = 2t +1 para s e inteiros. Então mn = (2s + 1) (2t + 1) = 4st + 2s + 2t + 1 = 2 (2st + t + s) + 1 . Logo mn é ímpar.


CASO 3. m é par e n é ímpar. Neste caso podemos escrever m = 2s e n = 2t + 1 para s e inteirosEntão mn = 2s (2t + 1) = 4st + 2s = 2 (2s + s) e, assim, mn é par.


CASO 4. m é ímpar e n é par. Este caso é igual ao caso 3,  basta intercambear m e n.


Para completar a prova observa-se que o único caso que não produz um produto par é quando ambos os números m e n são ímpares.



PROVA POR EXPERIMENTAÇÃO

Embora não seja possível, em geral, provar declarações por experimentação ou teste, muitas provas podem ser feitas com a ajuda da experimentação. Geralmente, experimenta-se alguns poucos exemplos para obter-se  algum conhecimento ou padrão e a partir disso podemos obter uma prova.

Considere a afirmação: "Todo inteiro ímpar é a soma de dois números inteiros consecutivos." Testando alguns casos  temos:
3 = 1 + 2
5 = 2 + 3
7 = 3 + 4.
Parece que um padrão geral é 2n + 1 = n + (n +1)  e, na verdade isto nos dá uma prova.

Aqui está outro exemplo. Considere a afirmação: "Prove que todo inteiro positivo ímpar é a diferença de dois quadrados." Uma vez que o enunciado do problema diz que devemos olhar para as diferenças de dois quadrados, começamos listando alguns quadrados e suas diferenças para ver se podemos detectar um padrão. Os primeiros seis quadrados são:
02 =0
12 = 1
22 = 4
32 = 9
42 = 16
52 = 25.



Tomando as diferenças dos quadrados sucessivos temos:
12 - 02 = 1
22 - 12 = 3
32 - 22 = 5
42 - 32 = 7
52 - 42 = 9.


Embora observando que tirando a diferença de quadrados sucessivos obtemos todos os inteiros positivos ímpares ainda temos que provar que isto sempre ocorre de forma irrefutável. Observando que(n + 1)2 - n2 = n2 + 2n + 1 - n2 = 2n + 1 

obtemos a prova completa. Além disso, esta prova é válida para todos os inteiros ímpares, e não apenas os casos positivos.


"SE E SOMENTE SE" PROVAS

Ao tentar provar uma declaração "se e somente se" é altamente não recomendável usar um "se e somente se" como argumento. Eles são complicados para iniciantes. Em vez disso, se você está provando que A é verdadeiro SE E SOMENTE SE B é verdadeiro, primeiro assuma que A é verdadeiro e use esta hipótese para provar B é verdadeiro. Em seguida, comece assumindo que B é verdadeiro e use isto para provar que A é verdadeiro. Essa abordagem requer duas provas independentes.

PROVANDO QUE DOIS CONJUNTOS SÃO IGUAIS

Sempre que você for provar que um conjunto A é igual a um conjunto B, inicie assumindo que um elemento x pertence a A e use a propriedade definidora de A para mostrar que x também pertence a B. Em seguida, assuma que algum elemento y pertence a B e use a propriedade definidora de B para provar que y também pertence a A.  Aqui está um exemplo: 

Para provar que  {(n +1)2 - n2| onde n é um inteiro} é igual ao conjunto de todos os inteiros ímpares, fazemos 
 (n + 1)2 - n2  ser um elemento pertencente ao conjunto do lado esquerdo. Desenvolvendo
(n + 1)2 -n2 = n2 + 2n +1 - n2 = 2n + 1  mostramos que (n + 1)2 - n2 é, também, membro do lado direito. Agora fazemos k ser um membro pertencente ao conjunto do lado direito. Uma vez que k é ímpar, pode ser escrito na forma 2n + 1 para qualquer n e sendo 2n + 1 = (n +1)2 -n2 mostramos que k é, também, um membro do lado esquerdo e a prova está completa.




REFUTANDO

Apesar da "prova por exemplo," não ser legítima, você pode refutar declarações por meio de um único exemplo. Considere a afirmação: "A soma de dois números irracionais é irracional." Para refutar essa afirmação basta simplesmente observar que 
√2 e -√2 são irracionais, mas a soma, √2+ (- √2) = 0, é racional.


PROVANDO A UNICIDADE

Para provar que um objeto é único assuma que a e b são dois objetos que possuem a propriedade desejada e use  esta propriedade, juntamente com outras informações conhecidas para mostrar que a = b. Para ilustrar, considere a afirmação: "Para qualquer número real r da equação
 x3 = r tem uma única solução real." Para provar esta afirmação assumimos que a e b são duas soluções de  x3 = r e usamos um pouco de álgebra e propriedades dos números reais para provar que a = b.



NEGANDO AFIRMAÇÕES

Tenha cuidado com negações. A negação de "para todo ..." é "existe pelo menos um ..." e vice-versa. Por exemplo, a negação da afirmação "Para todo número real 
 x, x 2 > 0" é "Existe pelo menos um número real x para o qual x2 ≤ 0." Por outro lado, a negação de "Existe pelo menos um número real x para o qual x2 ≤ 0" é "Para todo número real x 
2 > 0 ".  Fica fácil de lembrar pensando em uma afirmação como "Todos passaram no exame." cuja  negação é "Pelo menos uma pessoa não passou no exame." A negação de "Pelo menos uma pessoa não passou no exame." é "Todos passaram no exame.".



PROVANDO QUE UMA FUNÇÃO É SOBREJETIVA

Provar que uma função é "sobrejetiva" causa confusão entre muitos estudantes. Para provar que alguma função 
 f  de A em B é sobrejetora, denotamos por b qualquer elemento de B. Você deve encontrar algum x em A tal que f(x) = b ( considere que b é conhecido e x é a incógnita ). Para fazer isso substitua f(x) pela fórmula definidora de f(x) e resolva para x em função de b. Você deve verificar se a solução obtida pertence ao conjunto A. Aqui está um exemplo: digamos que vamos provar que   f(x) = x2 , sendo f de Reais Positivos  em Reais Positivos,  é sobrejetora. Fazemos b ser qualquer número real positivo. Então devemos resolver a equação  x2 = b para x. Assim obtemos x = √ b e observando que esta é uma solução real positiva provamos que f é sobrejetora. Em contrapartida, se temos a mesma função, agora, de racionais positivos em racionais positivos a função não é sobrejetiva já que não há solução racional para a equação  x2 = 2.


REVISE A SUA DEMONSTRAÇÃO

Depois de completar uma prova ou demonstração, revise-a para ver se você usou todas as hipóteses. Além disso, certifique-se que você tenha fornecido razões para cada etapa da demonstração.


Por favor envie seus comentários para o autor Joseph A. Gallian ou para este blog que o repassaremos ao autor.

5 comentários:

  1. indução e absurdo seriam quais exemplos?

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  2. Anônimo, um exemplo de prova por absurdo ou por contradição é citado acima em "Se a e b são números reais não nulos, prove que ab ≠ 0."
    As provas por indução, por sua vez são aquelas que usam os axiomas de Peano para os números naturais. Nesse tipo de prova partimos de casos particulares para generalizar uma proposição. Basicamente consiste no seguinte:
    (1) Provamos que uma determinada proposição vale para o primeiro número natural no qual a proposição faz sentido. Geralmente para n=1.
    (2) Assumimos que proposição dada é válida para um certo natural n=k. Assim temos a hipótese.
    (3) Desenvolvemos a proposição para n=k+1 usando a nossa hipótese e concluímos a validade ou não da proposição.
    Um exemplo de proposição para se provar por indução seria:
    Prove que para todo n pertencendo ao conjunto dos números naturais, temos que n elevado ao quadrado, somado com o próprio n é divisível por 2.

    É isso.

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  3. No 1o caso da prova por análise de casos, em " ...2s2t = 2(2st) ... " esta sobrando um "2" dentro dos parenteses, mas msm assim parabéns pelo texto, ajudou mto

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  4. Obrigado Jonny. Nesse caso que você citou foi feito um rearranjamento comutativo, veja: 2s.2t = 2.2s.t = 2(2st). Isso foi feito para evidenciar o 2 e daí concluir-se que o resultado é par.
    Até mais,
    Francisco.

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  5. Parabéns pelo texto, ajudou bastante ^^

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